sexta-feira, 12 de abril de 2024

Crônica: Entre as montanhas de Minas

 

                                                


Desde que decidi rever minha turma de faculdade, o que se deu somente trinta anos após o término de nossa graduação em dezembro 1981, tomei uma decisão, qual seja não deixar de ir a nenhum encontro da turma. Isto tem sido uma precisão imperativa que vem de dentro de mim. Quem sabe um dia escreverei sobre este fato e muito tenho a falar dele. Por hora quero falar tão só do nosso mais recente encontro.


     A escolha do local vinha sendo discutida pelo grupo criado através dessas modernidades pelo whatsap. Havia um tempo em que eu propunha Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto. O grupo não se manifestou. Eu e Ouro Preto temos uma longa história, então seria óbvia minha sugestão. Não houve ecos. Sempre prefiro locais que sugerem turismo aliado aos encontros. Liguei para a sempre organizadora dos encontros. Negativo. Argumentou que a turma sempre prefere Juiz de Fora, onde nos formamos. Sendo a minoria, suponho, acatei a argumentação mas sabendo que não declinaria dos pequenos encontros.

     Sem vagas no hotel que propus, um colega despachado,  que aqui chamarei de J.B., logo encontrou vagas numa pousada entre as montanhas do distrito de Glaura, em Ouro Preto. Achei a ideia ótima, pois há muitos anos gostaria de conhecer Glaura e engrossar minha lista com mais um visitado dos treze distritos de Ouro Preto. Outro motivo seria o preço bem mais accessível.

     Temendo não ter mais vagas, corri para fazer a minha reserva. Entretanto aconteceu um desvario. Apesar de incentivar o grupo, mais ainda “as meninas”, não obtive os resultados esperados. Era apenas eu de “menina” e oito “meninos”. Encarei o fato. Eu precisava, além de estar com os colegas, estar comigo. Queria tempo para conversar comigo.

     E lá fomos nós. Fui, confortavelmente, de carona com J.B. que também deu carona para Fênix
e já havia buscado, em Confins, o colega P. Edu que veio de Cuiabá.

     Preocupada com minha crescente surdez não esqueci os terríveis aparelhinhos. Os colegas, sempre gentis, não me deixaram no vazio quando não escutava uma conversa, repetiam o assunto e falavam um pouco mais devagar.

     J.B., o anfitrião da carona, era o mais animado. Em Itabirito parou para saborear o famoso pastel de angu e para nos apresentar o Museu Jeca Tatu. Ri demais, e sozinha, ao identificar ali no meio dos centenas objetos expostos, alguns que viveram na minha casa em Lafaiete e vi também o sucessor do nosso primeiro aparelho telefônico, hoje decorando a sala da minha casa.

     Apesar de viajar tanto por ali, nunca havia parado naquele negócio tão esquisito. Continuamos nossa viagem. Logo pegamos a estradinha que nos levou ao Recanto das Montanhas.

     Com uma recepção bem mineira fomos instalados e convidados para um cafezinho com pãezinhos de queijo. O local me levou de volta a minha infância. Montanhas, muitas montanhas e, em volta, construções bem simples que lembram os interiores de Minas. Fiquei pensando se aquele lugar agradaria aos gregos e troianos da nossa turma. Acho que não.

     Subi para meu quarto, número 5, lavei meu rosto besuntado de filtro solar, tomei ciência do espaço, alonguei meu corpo e me deixei cair na cama. Novamente muito filtro solar e descer para reconhecimento de toda a imensa área e receber os colegas que estavam chegando. J.R. veio de Manhuaçu no seu possante híbrido dando carona para Mago, o louro. Já éramos seis. Coca, dono das boiadas, veio sozinho do interior de São Paulo no seu nada possante carrinho mil. Bem mais tarde chegaram Dinho com Chico, aquele que nega ter botado fogo no King Kong em Juiz de Fora, durante a ditadura. Foi preso. Solto na manhã seguinte por obra do divino espírito santo. Chegaram ao final da tarde porque pararam para socorrer acidentados na estrada esperando a chegada do SAMU. Vieram de Muriaé. Somamos nove que, segundo meu pai não conta, pois é “noves fora”.

     Como sempre as gargalhadas e as cervejas estavam presentes o tempo todo. Sem timidez sentei ao lado dos colegas que já davam gargalhadas com as histórias contadas e recontadas.

     Muito sol e muitas famílias enchiam os ambientes de alegria.

     Almoço, sendo sexta-feira da paixão, foi de muito peixe. À tarde, caí na piscina sem nenhuma vergonha do corpinho de matrona italiana nos seus “meia meia”. Havia comprado uma linda saída de praia EG, por ordem da minha cunhada MarechAlda, que sequer entrou em mim. Peguei minha saia colorida comprada num brechó chique em Nova Zelândia e me senti a mais elegante das mulheres. Acompanhei J.B. que procurava a cachoeira indicada pela proprietária da pousada. Caminhamos e conversamos muito. Nada importante. Só levezas.

     À noite vinho. Amo vinho. J.R trouxe uma caixa deles. E o sono dos justos.

     Na manhã seguinte uma caminhada pela estrada margeando o Rio das Velhas. Eu e sete senhores doutores. Junto conosco caminharam nossos filhos e netos e nossas histórias. E topamos com borboletas azuis, com cachorro da cor de chocolate, com cavalos e bois. Estávamos ora em dupla, ora em trios, ora éramos oito. E tudo foi posto em palavras. Para mim este momento foi o mais íntimo e o mais doce do encontro. Pude perceber que Chico estava desolado, talvez pela ausência da sua musa inspiradora. Percebi também que Fênix estava um pouquinho menos casmurro.

     Voltamos e encontramos Dinho sentando na ampla sala de recepção nos convidando para assistir na TV, seu filho famoso, Felipe Rameh, ensinando como se faz um delicioso bife a milanesa e seus acompanhamentos. À tarde mais cervejas. Devo confessar que, em alguns momentos me afastei do grupo para que eles sentissem mais a vontade nas suas piadas “horríveis”. Foi então que conheci um simpático casal e o filho, de Belo Horizonte. Conversamos bastante e escutei o relato feito pela mulher sobre o fato de ter ficado diabética após procedimento cirúrgico desnecessário que ela teria conseguido “com meu poder de persuasão”. O marido e eu conversamos muito sobre Betim, cidade onde trabalhamos durante vários anos.

     E, finalmente, fomos conhecer o charmoso distrito de Glaura. Assistimos ao segundo tempo do Galo x Raposa num animado bar defronte a matriz de Santo Antônio. E, para minha surpresa, lá estava N. Senhora do Rosário no altar à esquerda de Santo Antônio. Fotografias da turma numa noite em Glaura.

     Num dado momento, enquanto estávamos todos sentados numa imensa mesa, aconchegou um jovem. Pediu licença e falou de sua admiração e simpatia pelo grupo e que falara para sua esposa que não havia como sentir ciúmes desses encontros. Entretanto já vinha percebendo olhares admirados pelo “nosso grupo “que soube causar naquela pousada incrustada em meio às montanhas.

     Voltamos para a pousada para nossa segunda e última noite entre as montanhas de Minas.

     Na manhã seguinte nosso café de despedida e a volta para a vida de cada um.

Agradeço aos “meninos senhores doutores” o carinho e as gentilezas para comigo.

    E que venham outros encontros.

Funil, 12/04/2024

























terça-feira, 2 de abril de 2024

Livros ao vento



Dar livros de presente

virou coisa do passado

Histórias de amor, nem pensar...

só no virtual


Pois, contrariando isto,

agora comecei

a espalhar livros pela cidade


Eis que vejo

pessoas pegando os livros

e falando de amor.


(Mário Campos, 02/04/2024)